quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O BOBO DA CORTE


O BOBO DA CORTE
Não é inusitada essa disposição de nossa índole, que nos leva a rir de certas deformidades dos seres humanos? Porém, muitas vezes, o "bobo" da corte servia-se da alegria, que provocava, para zombar dos que se divertiam a sua custa... Com certeza, é isso o que torna mais interessante a figura desempenhada, antigamente, pelos "bobos titulados" pelos reis ou pela massa popular, ou, como costumam dizer, "A Galera". Acobertados por uma manta fantasiosa, até grotesca diriam alguns críticos mais contundentes, tiveram, por inúmeras vezes, o privilegio de dizer verdades ousadas, impensáveis, para um integrante da corte considerado comum. Muitos escritores, aproveitando-se da figura do "bobo", com seus gracejos, pelos seus disparates, pela irreverência, procuraram caracterizar tal personagem; mais chegado ao nosso universo, temos o romance histórico, "O BOBO" do mestre Alexandre Herculano; a seção passa-se no começo da monarquia portuguesa na época em que principiou a luta entre D. Afonso Henriques e sua mãe D. Tereza.
Guardando-se as devidas proporções, talvez o palhaço "clown " de circo, como conhecemos muito bem, seja um continuista do antigo "bobo" da corte, tão engraçado sob sua extravagante pintura no rosto como Triboulet sob suas vestimentas multicoloridas e seu inseparável chapéu onde tilintavam guizos de todos os tamanhos.
A FEIÚRA QUE DIVERTE, DEFORMAÇÃO QUE ZOMBA...

"Que agradável e delicioso oficio, o de "bobo"!

Essa era a exclamação do herói de uma comédia de Alfred de Musset, poeta francês, nascido em Paris em 1810 e morto em 1857. Para se introduzir no palácio do rei da Baviera, um jovem extravagante, Fantasio, teve a a vivacidade de se vestir como o "bobo"da corte, que tinha morrido no dia anterior. Esse truque foi muito bem sucedido:
"Ando de um para outro lado, neste palácio - continua ele - como se sempre o tivesse habitado. Há pouco encontrei o rei, que não teve, sequer, a curiosidade de olhar para mim. Depois da morte de seu "bobo"oficial, haviam-lhe dito: Sir aqui está outro! Não foi preciso mais! Posso fazer o que bem entendo sem que me detenham com a menor observação. Sou um dos animais domésticos do rei da Baviera e, se quiser, enquanto conservar minha bossa e minha cabeleira, poderei viver aqui até minha morte, gozando a vida, sem ter com que me preocupar."

E, aproveitando essa liberdade de ação, Fantasio surpreendeu o segredo do triste noivado da princesa Elsbeth, que, por interesse político, ia se unir a um príncipe feio e imbecil. Nosso herói torna impossível esse casamento com um recurso... de "bobo"; pescando com a ponta de um anzol, a cabeleira postiça do augusto noivo.
Defeito físico, fantasia espiritual, exagero na linguagem e, ás vezes, de conduta, esses são perfis, que caracterizam na História o personagem do "bobo" e lhe dão fisionomia tão desconcertante.
Já entre os antigos, para divertimento da classe mais abastada e poderosa, esses indivíduos pitorescos eram tão procurados que foi necessário instituir, para esse gênero de negócios, um mercado especial; seja sincero, caro leitor! A existência de um mercado de trabalho tão insólito, já tinha passado pela sua cabeça?
Nas horas das refeições, apos as dançarinas, os macacos incríveis e os tocadores de harpa, o "bobo", vindo da Ásia Menor ou da Pérsia, fazia sua entrada ridícula, saudado pelo riso dos convivas. Na considerada Idade Média, não havia um só castelo em que a silhueta caricatural do "bobo"não surgisse entre as rendas e os brocardos. Pasmem! As cortes reais e as cortes feudais lutavam para a posse do "bobo"mais feio, mais deformado e emissários eram enviados aos quatro cantos do mundo conhecido em busca desses fenômenos humanos, para distração dos poderosos.
TRIUNFAL ESTRÉIA

Uma educação esmerada

A melhor maneira de conhecer o que era outrora um "bobo da corte" é estudar a existência do mais famoso deles, o imortal Triboulet que passou á Historia com o titulo:
"BOBO DO REI E REI DOS BOBOS"

Quando o acaso decidiu sobre sua vocação, Triboulet chamava-se muito prosaicamente Nicolau Ferriol e era popularíssimo em Blis, sua cidade natal, por suas inverossímeis fantasias. Um dia em que andava, como de costume, pelas ruas de Blois, dirigindo pilherias a toda a gente e pedindo esmolas, viu passar um fidalgo que o duque de d'Angouleme, futuro rei Franciso I, enviara com uma mensagem ao rei Luiz XII e a Ana da Bretanha. Para obter dele algumas moedas, Ferriol seguiu-o contando-lhe as mais joviais anedotas e como, nem assim o fidalgo lhe desse coisa alguma, inutilizou seu peitilho com um golpe de canivete. Então, os pajens do fidalgo Agarraram-no, Levaram-no para fora da cidade -com receio de que o populacho tomasse sua defesa e tendo-o amarrado a uma arvore, começaram a torturá-lo cruelmente, pregando-lhe as orelhas com pregos, queimando-lhe as plantas dos pés.
Os gritos do infeliz foram tantos, que Luiz XII ouviu-os de seu castelo. Triboulet, libertado afinal, foi, em pessoa, queixar-se ao soberano e relatou seu próprio suplicio em termos tão cômicos que o rei, a conselho do próprio duque d'Agouleme, ofereceu-lhe uma bolsa de outro e o cargo de bobo da corte.
No dia que Triboulet apareceu na corte houve uma gargalhada geral. Aquela fronte baixa e fugidia; aquelas imensas orelhas, essa cabeça redonda balançando-se sobre um pescoço enorme, esse peito cavado e essas costas em forma de montanha, o ventre volumoso, as pernas tortas... A natureza aprimorara a construção daquele verdadeiro monstro para o prazer real. A arte iria completá-lo.
O vestiário de "bobo do rei" compunha-se nesse tempo de um casaco com abas formando ângulos agudos, em pedaços verdes e amarelos e coberto com ornatos de sarja e passamanaria de todas as cores.
Mas isso pareceu banal, para um bobo do valor de Triboulet. Modelaram seu torso ridículo com um justa corpo de seda branco e azul, com as armas da França bordadas a ouro sobre suas costas, a azul sobre as pernas e sobre o barrete pontudo, que ornava sua cabeça. Um cinto dourado tinha uma bainha especial para sua vara de guizos, seu cetro de louco, sua espada de pau e uma bexiga de porco cheia de ar - os emblemas de suas alegres funções.
Depois de cobrir esse vestuário de guizos de todos os tamanhos, confiaram Triboulet a Michel Le Vernoy, "mestre de bufonaria" - que devia completar sua educação ensinando-lhe mil artimanhas, acrobacias, pilherias, canções e saltos, por que um dos melhores meios de fazer rir era então a "cabriola", o salto.
Os livros dos meus colegas contadores, desse tempo, registravam que esses artistas, na realidade, levavam isso muito a serio. Hainselin Coq, o bobo do rei Carlos VI, usou no ano de 1404 quarenta e sete pares de caçado e o bufo da rainha Izabel da Baviera, usou em seis meses, nada mais, nada menos , que, 103 pares.
Onde a "bobice"dá lições á sabedoria

Sob a proteção de suas "funções", o bobo tudo podia permitir-se. É feio, grotesco; nasceu para fazer rir; tem o direito de ser insolente. Sua deformidade protege-o.
Uma vez, Triboulet passava em companhia d um fidalgo por uma ponte desprovida de parapeito e aproveitando-se de uma distração do fidalgo atirou-o ao rio. A vitima dessa pilheria de mau gosto prometeu arrancar-lhe o couro cabeludo. Triboulet corre a se colocar sob a proteção de Francisco I, que lhe disse:
- Nada temas. Se ele ou qualquer outro te fizer mal, um quarto de hora depois estará enforcado.
Oh!... real senhor... Faça-me o favor completo. Mande enforcá-lo um quarto de hora antes de me fazer mal.
Ás vezes os bobos se utilizavam de suas imunidades para dar aos soberanos opiniões e conselhos oportunos. Francisco I concedera a Carlos V permissão para atravessar a França com uma expedição para ir castigar os sublevados de Gand. Imediatamente Triboulet declarou que ia organizar a lista dos maiores loucos da Europa e começou por inscrever o nome de Carlos V,
Francisco I sorriu e disse:
- E que dirás se eu o deixar atravessar todo o meu reino, sem fazer a menor tentativa contra ele?
- Nesse caso apagarei o nome de Carlos V e escreverei o seu.
*

Um dos sucessores de Triboulet, o famoso Chicot, bobo do rei Henrique III, fez um dia em plena corte esta oração.
- Meu Deus! Livrai-vos de cair nas mãos da Liga Catolica. Ela vos mandaria enforcar como um gato.
*

Jean Doucet, o bobo de Luiz XIII, deu a seu senhor uma resposta que consubstanciava todo uma critica política. O rei mandara lhe doar vinte escudos de ouro. Ele o pos na bolsa e exclamou:
- Obrigado, meu rei, e fique tranqüilo: São tantos e tais os impostos que seus ministros lançam sobre nós que este dinheiro não tardará a voltar as mãos de Vossa Magestade.
Como os literatos alteram as personalidades históricas

Os escritores românticos não podiam deixar de tomar interesse por personagens anormais e excessivos como os bobos da corte; mas, por um singular anacronismo, emprestam ao bobo seus próprios sentimentos, exatamente aqueles que esses infelizes eram incapazes de experimentar. Imaginaram que os bobos deviam sentir profundamente a humilhação do papel que representavam nas cortes, ter o coração dilacerado e odiar os que não eram como eles, aleijados e ridículos. Fizeram do bobo o ente sobre o qual a fatalidade se encarniça, condenando-o ao riso eterno e á eterna tortura de suportar chacotas e afrontas.

Assim é o Triboulet que Vitor Hugo nos apresenta no Le roi s'amuse -Vide comentário em Rigoletto- .
Por sua vez, Edgard Poe no conto Hop Frog , apresenta-nos um tipo de bobo fremente de ódio e rancor, exercendo sua vingança com impiedosa crueldade.
Mas Hop Frog é uma fantasia da imaginação de Poe. Os verdadeiros bobos, aqueles cujos nomes a historia conservou nada tinham desse humor trágico.
Quase todos se aproveitaram de sua situação para enriquecer. Brusquet obteve de Carlos IV a concessão do serviço do Correio em Paris; - Angely o bobo de Luiz XIV, era dotado de espírito furioso e terrível. Muito temido pelos cortesãos lançava seus sarcasmos de traz da cadeira do rei e fazia pagar caro seu silencio.
Os bobos do povo

Mas o prazer de rir da deformidade alheia não é reservado aos grandes. Como os príncipes o povo também tem seus bobos. Na Idade Media, o bobo popular era uma instituição. Rara era a cidade que não mantinha pelo menos um para divertir seus habitantes. Gringalet, o bobo de Dieppe ficou famoso.
Do teatro de Shakespeare á porta do circo

Favorito dos grandes, querido pelo povo, o bobo não podia deixar de ter lugar nesse gênero de literatura que se dirige a todos - o teatro. É encontrado em todo o tipo de espetáculo, ingênuo ou ardiloso; estúpido ou esperto, mas sempre divertido, sempre fazendo rir. Na comedia espanhola chamam-no el Gracioso, na francesa Jocrisse, na italiana Polichinello, na inglesa clown.
Com esse nome atravessou os mais sombrios dramas de Shakespeare. Quando o rei Lear, traído, desprezado, expulso por suas filhas, lança gritos veementes ao céu cortado pelos relâmpagos e rasga as próprias vestes, o clown observa com fleuma bem inglesa.
"Ora vamos, meu tio, acalma-te... Tu não vai tomar banho com um tempo destes"

Hoje o bobo chama-se palhaço e completou sua educação com acrobacia completa.
O tipo clássico do clown de calças muito largas, rosto pintado, topete de cabelos rijos e linguagem anglizada foi criado por um inglês quase genial que se chamava Billy Hayden. O tipo do Tony, também tão apreciado, nasceu de um caso autentico ocorrido no circo Reuz, que foi um dos mais notáveis da Alemanha.
Um rapaz chamado Augusto, contratado para o serviço da pista, tanto se perturbou e caiu e tropeçou, que, embora estivessem em intervalo, o publico desatou a rir. O empresário correndo para verifica o que provocava tal riso, não havendo artistas no picadeiro, resolveu tirar partido do acaso. No dia seguinte, Augusto, com um vestuário, que logo se tornou clássico, voltou á pista com a missão única de se fingir ainda mais desajeitado do que de fato era.
Little Tich, que obteve grande celebridade, era um tipo especial, interessante sobre tudo por ser anão.
Entre os palhaços regulares, depois de Bily Hayden, o mais ilustre, o inventor de quase todos os truques e pilherias que todos os palhaços repetem pelo mundo foi Dan Leno (ao lado), especialista em caracterizações e incomparável como improvisador.


O palhaço na Opera

Rigoletto. Opera italiana em três atos, letra de Francesco Maria Piave e musica de Verdi - Veneza, 11 de março de 1850, uma segunda feira -

Scena I

Sala magnifica nel palazzo ducale,
con porte nel fondo che mettono ad altre sale,
pure splendidamente illuminate.

Folla di Cavalieri e Dame che passeggiano nelle sale del fondo -
Paggi che vanno e vengono - Nelle sale in fondo si vedrà ballare.
Da una delle sale vengono parlando fra loro il Duca e Borsa.

- Clique em Rigoletto para o texto completo, original, dos três atos


O grande mestre italiano tinha tirado o assunto do Le roi s'amuse, de Victor Hugo, já comentado acima. O libreto foi muito habilmente composto pelo drama do poeta frances. Mas Veneza estava então sob o dominio da Austria e a censura não quiz consentir na representação da obra, cujo titulo era La Laledizione - a Maldição.

Foi então combinado que a personagem do rei seria substituido pela do duque de Mantua; que algumas modificações ligeiras seriam feitas a certas situações, e que enfim a obra teria por titulo Rigoletto, buffone di corti -Rigoletto, bobo da corte- , do qual se fez logo só Rigoletto. A cena passa-se em Mantua e nas suas proximidade, no século XVI. A partitura é uma das obras mais quentes, mais apaixonadas e mais vibrantes de Verdi. É talvez o primeiro ato, o ato do baile, o menos interessante, porque apenas é a exposição da peça. Encontra-se ai todavia uma bonita balada, cantada pelo duque : Que uma bela por alguns instantes... e lindas Arias de dança. Mas, desde o segundo ato, na habitação de Rigoletto e do bandido Sparafucile é de um acento muito dramático, devido sobretudo a uma orquestra especial; e que canta com sua filha Gilda é tocante e cheio de caricia e a paixão com a graça notam-se no de Gilda com o duque; depois a cena do rapto é cheia de colorido. Com o terceiro ato, no palácio do duque, a emoção cresce ainda. A cena de Rigoletto procurando a filha e implorando os cortesãos, que riem da sua dor, é de um patético admirável; a sua inventiva de desprezo aqueles: Cortesãos, raça vil e danada, é soberba de furor altivo; e enfim, quando Gilda, saindo do quarto do duque, vem cair nos seus braços, e seu dueto, umas vezes tocante, outras enérgico, é uma das paginas mais comoventes da musica dramática. Enfim, para concluir, o ultimo ato apresenta, depois da deliciosa canção do duque: Como a pena ao vento, tão cheia de graça e de abandono, o celebre quarteto, que é antes, como o exigia a situação, uma espécie de dueto duplo, onde os sentimentos diversos das quatro personagens estão traçados com mão de

1 comentário:

  1. "onde os sentimentos diversos das quatro personagens estão traçados com mão de..."

    bela pesquisa Andreza, mas parece que vc ficou sem espaço para conclui-la...

    de qualquer forma, parabens pelo blog!
    bom trabalho
    o/

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